quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Entrevista de Guido Mantega à Folha

BC autônomo não é essencial, diz Mantega


Alan Marques/Folha Imagem
O ministro Mantega dá entrevista no Ministério da Fazenda

VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O essencial da política econômica não é a autonomia informal do Banco Central, mas o desenvolvimentismo. A declaração é do ministro Guido Mantega (Fazenda), ao comentar as possibilidades de mudanças na economia no próximo governo.
Mantega afirmou acreditar que nem sua colega Dilma Rousseff nem o tucano José Serra, os dois principais pré-candidatos na eleição presidencial de 2010, mudem uma "política econômica vencedora".
Ao ser lembrado que o governador paulista é crítico da autonomia informal concedida ao BC pelo presidente Lula, o ministro afirmou: "Eu acho que isso não é o essencial da política econômica. O essencial é o desenvolvimentismo".
Em seguida, avaliou que ele, Dilma e Serra têm posições semelhantes na economia: "[Serra], se ganhar, vai continuar essa política, acha que o Estado tem de ter um papel importante, como nós achamos".
Em entrevista à Folha, ele afirmou que todas as medidas de estímulo ao consumo, com cortes de impostos, serão extintas no próximo ano. E afirmou considerar "prematuro e oportunista" falar em alta de juros.
Ao comentar a frase do diretor do BC, Mário Mesquita, de que é melhor "prevenir do que remediar", defendendo uma reação preventiva do banco, Mantega afirmou que esse é um princípio "universal, genérico e que não diz absolutamente nada para mim".
Bem humorado, o ministro disse que não haverá "afrouxamento da política fiscal" no ano eleitoral e que até a minoria que insiste que o governo não cumprirá sua meta de superavit vai mudar de opinião em 2010.



FOLHA - O Banco Central está prevendo um crescimento de 5,8% em 2010. Não é um otimismo um pouco exagerado, um clima de euforia? É acima da sua previsão.
GUIDO MANTEGA - Eu não posso ser um pouco conservador de vez em quando? Bem, não costuma ser do feitio do BC um otimismo exagerado, em geral são mais prudentes, conservadores. Eu me contento com qualquer coisa acima de 5%.

FOLHA - Essa previsão não embute um risco de pressões inflacionárias no próximo ano e alta na taxa de juros?
MANTEGA - O cenário não é de inflação, mas de estabilidade ou deflação.

FOLHA - O mercado está prevendo alta de juros na segunda ou na terceira reunião da diretoria do BC.
MANTEGA - O mercado financeiro, aquele que pode estar interessado nesse aumento da taxa de juros.

FOLHA -
Há alguma pressão do mercado para forçar uma alta?
MANTEGA - Não posso garantir isso, mas acho prematuro você pensar em juros elevados, prematuro ou oportunista. É tentar gerar uma expectativa que pode se autorrealizar. Profecia autorrealizável. Não vejo nenhum sinal de que a inflação possa subir. Totalmente prematuro. Claro que, se subir, o Banco Central vai subir os juros. As taxas de juros futuros subiram hoje.

FOLHA - Por que subiram? Foi a entrevista do diretor do BC Mário Mesquita, ao dizer que é melhor prevenir do que remediar, justificando que o banco tem de agir preventivamente porque a inflação aqui costuma resistir mais?
MANTEGA - Eu não sei. O princípio "prevenir do que remediar" é universal. É genérico, não me diz absolutamente nada. O que vejo é que a inflação neste ano está comportada, no próximo, também, com crescimento acima de 5%. Falar em subir os juros agora não tem nenhum sentido, ao menos que tenha uma segunda intenção, de estimular a especulação.

FOLHA - O Banco Central mudou sua previsão para o crescimento de 2009, de 0,8% para 0,2%. Está em linha com a do sr.?
MANTEGA - Prefiro não fazer previsão depois que o IBGE mudou os cálculos. Mas acho que teremos de zero a qualquer coisa. Eu acredito que vai ser positivo. Não sustento mais o 1% porque mudaram os parâmetros.

FOLHA -
No ano que vem, o clima eleitoral pode ter impacto na economia?
MANTEGA - Eu acho muito difícil. Em 2006 não houve interferência, mesmo num ano eleitoral.

FOLHA - Mas ali os dois candidatos, Lula e Geraldo Alckmin, não passavam expectativa de mudança da economia. Em 2010 pode ser diferente?
MANTEGA - Os favoritos não estão indicando nenhuma possibilidade de mudança. A ministra Dilma vai dar continuidade.

FOLHA - E o governador Serra?
MANTEGA - Há um princípio, mais válido do que aquele de prevenir do que remediar, de que política econômica vencedora você não muda. Tem de mudar quando a economia vai mal.

FOLHA - Mas o governador Serra é crítico da autonomia informal que o presidente Lula deu ao Banco Central.
MANTEGA - Eu acho que isso não é o essencial da política econômica. O essencial é o desenvolvimentismo. O Serra é um desenvolvimentista. Na minha opinião, ele, se ganhar, vai continuar essa política, acha que o Estado tem de ter um papel importante, como nós achamos. Diferentemente do Alckmin, que era um neoliberal.

FOLHA - Qual será o envolvimento do sr. na eleição?
MANTEGA - Eu tenho muito pouco espaço para campanha, porque vou continuar aqui e terei muito trabalho. Nos sábados e domingos poderei fazer alguma palestra, alguma atividade, mas, no fundamental, não estarei participando da campanha.

FOLHA - Sobre câmbio, vocês iriam discutir se as medidas adotadas deram certo ou se serão necessárias novas medidas. Como está a avaliação?
MANTEGA - Eu acredito que neste momento não é necessário nenhuma nova medida nessa área. A volatilidade ficou bastante reduzida. Ficou só a volatilidade para o lado certo [de alta do dólar].

FOLHA - A arrecadação surpreendeu em novembro. Isso significa que vocês podem manter algumas das medidas de estímulos fiscais?
MANTEGA - Os estímulos dados para o consumo serão todos eliminados. Têm data para terminar. Claro que o presidente pode dar uma contraordem, mas não me parece que ele irá fazer isso. Porque a economia estará com vigor suficiente para dar conta das necessidades. Deveremos manter as desonerações de IPI para bens de capitais [máquinas e equipamentos].

FOLHA - O governo Lula não perdeu a oportunidade de tomar medidas de redução de gastos?
MANTEGA - Minha equipe fez um projeto que restringe o aumento da folha de pessoal a um determinado limite. Foi aprovado no Senado, e temos forte probabilidade de aprovar na Câmara. Fizemos o projeto aqui, eles aumentaram um pouco, de 1,5% para 2,5%. Essa medida é extremamente preciosa para garantir o equilíbrio das contas públicas, garante que não haverá nenhuma explosão de gastos com o funcionalismo público.

FOLHA - Não há risco de crise fiscal no país?
MANTEGA - Não, não há risco.

FOLHA -
E o projeto de taxar a poupança?
MANTEGA - O problema é que eu esperava que as taxas de juros pudessem cair mais, além de 8,75%... E aquele projeto, de taxar a poupança com Imposto de Renda, tinha o objetivo de permitir que as taxas de juros pudessem cair mais sem provocar uma migração de dinheiro da renda fixa para a poupança.
Mas isso não ocorreu, porque as perspectivas são de que a taxa não caia além de 8,75%. Portanto, torna desnecessário aquele projeto.

FOLHA - O mercado levanta dúvidas se o governo Lula irá cumprir sua meta de superavit primário [economia para pagamento dos juros da dívida pública] em 2009 e 2010.
MANTEGA - É uma pequena minoria que fala que o governo não vai cumprir a meta de superavit. Mas eu digo que vamos cumprir. No ano eleitoral nosso comportamento não será diferente de um ano normal. Não vai ter afrouxamento fiscal.

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Calo-me...(da série #resgates)

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