da Folha de São PAulo
Erro em cálculo de reajuste tarifário faz distribuidoras de energia embolsarem valor indevido; TCU diz que prejuízo é de R$ 7 bi
Problema está no critério adotado para aplicação do reajuste tarifário, que não captura ganhos esperados com a demanda futura
AGNALDO BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Os consumidores brasileiros pagam R$ 1 bilhão a mais por ano pela energia elétrica devido a um erro no cálculo das tarifas aplicadas nas contas de luz. A falha se repete desde 2002, período durante o qual pode ter sido sacado do bolso do consumidor uma cifra estimada em R$ 7 bilhões. O governo sabe do problema há dois anos, mas não tomou nenhuma medida efetiva para resolvê-lo.
O valor indevido é cobrado de todos os consumidores regulares das concessionárias de energia elétrica. Hoje, são 63 milhões de ligações existentes no território nacional, distribuídas em 63 companhias no país -a maior parte são empresas privadas.
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), responsável pelos cálculos, admite que o erro faz o consumidor pagar valores indevidos às concessionárias desde 2002, ano da publicação de uma portaria apontada como o foco do problema.
O valor pago a mais engorda a receita das distribuidoras, que desde então se apropriam do recurso. A Aneel condena a atitude. Afirma que o ato é "eticamente discutível", mas diz que não dispõe de nenhum mecanismo para exigir a devolução do dinheiro ou uma compensação para o consumidor.
"[Ficar com o dinheiro] é eticamente discutível, mas isso que as distribuidoras estão fazendo é o que legalmente está constituído. Nós temos plena certeza que esse é um dinheiro que não pertence à distribuidora", diz David Antunes Lima, superintendente de regulação econômica da Aneel.
A reportagem da Folha procurou a direção da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), mas a organização disse que "optou por não se manifestar sobre o assunto".
A falha
O erro começa no reajuste tarifário, aplicado todos os anos, exceto no ano da revisão tarifária -que ocorre em intervalos de quatro anos em todas as distribuidoras. Ao aplicar o reajuste, a Aneel o faz sobre a receita total dos 12 meses anteriores. A agência concluiu que o correto seria aplicar o reajuste sobre a receita futura, não a dos 12 meses anteriores. Só assim o modelo captaria o aumento de demanda. É aí que está a falha.
Pelo modelo falho, o consumidor paga mais do que devia para a distribuidora custear os 11 encargos setoriais embutidos na tarifa, que financiam do programa federal para a baixa renda Luz para Todos ao custeio da compra de combustível para as térmicas amazônicas. Essa conta é rateada todos os anos para as distribuidoras, que a repassam aos consumidores.
A Aneel utiliza um exemplo para explicar a falha. Se uma distribuidora (como a Eletropaulo, a Cemig ou a Cemar) tiver de arrecadar para o governo R$ 1 bilhão para custear sua parte na conta de encargos do sistema, o aumento da demanda por energia poderá fazer com que a concessionária arrecade R$ 1,05 bilhão.
No ajuste, a Aneel verifica se a distribuidora pagou R$ 1 bilhão, como era devido. Os R$ 50 milhões adicionais recolhidos dos consumidores são embolsados pela distribuidora. Esse mecanismo se repete e se acumula nos últimos anos. Pela regra do setor elétrico, isso não poderia ocorrer, porque a distribuidora não pode auferir nenhum tipo de ganho no recolhimento de um encargo.
A remuneração da empresa só pode ser obtida pela prestação do serviço de distribuição -fatia já prevista na composição da tarifa paga pelos consumidores. Na prática, a concessionária tira um ganho clandestino anual dos consumidores.
Pelo atual modelo, isso só não ocorreria se houvesse queda no consumo de energia, o que em regra não ocorre. Em geral, segundo cálculo do próprio governo, o mercado brasileiro de energia elétrica cresce à taxa de 5,1% ao ano. Sem providências para consertar o problema, o consumidor seguirá pagando mais pela energia.
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