O corrosivo Boris, com a tolinha Melody: retrocesso sem reformulação
Allen fez o filme a partir de um roteiro que tinha na gaveta havia décadas. Nota-se. No desfecho, ele tenta recuperar a agudeza de criações recentes, como Vicky Cristina Barcelona, levando os personagens a concluir que cada um sabe melhor do que o faz feliz. Mas, até chegar lá, a história perambula e range sob o peso de estereótipos superados – por exemplo, de que artistas são uma gente muito louca e liberada, e de que intelectuais judeus nova-iorquinos, por contraste, são poços de pessimismo. Não há nada de errado em um cineasta voltar sempre aos mesmos temas. Pelo contrário: essas revisitas, com suas mudanças sutis de enfoque, solidificam uma obra. Mas aqui não há reformulação. Só retrocesso, evidenciado pela escolha de Larry David, da série Curb Your Enthusiasm, para o papel de Boris. Quando encarna ele mesmo seus protagonistas, Allen faz deles homens que agridem os outros de viés, com choramingos e neuroses. David (aliás, um excelente comediante) o faz com um recurso bem mais direto: o da agressão pura e simples. Remove assim de Boris toda a aura de neurastênico adorável, aquela que Allen cultiva, e expõe a mesquinhez no cerne do personagem. Deixa uma impressão forte – e que final feliz nenhum é capaz de apagar.
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