Você está no comando?
Da Revista Veja
Conhecer o funcionamento do organismo é o primeiro passo para a longevidade saudável e feliz. E nunca é tarde para começar a se cuidar: a partir dos 50 anos, é possível controlar 80% do destino de sua saúde. Sim, até mesmo para quem foi relapso nas décadas anteriores
Se você chegou aos 50 anos varando as noites no escritório, trocando a ginástica por uma horinha a mais na cama, driblando a salada e os grelhados, é bem provável que tenha desistido de levar uma vida saudável, porque "é tarde demais". Pois bem, a ciência da longevidade traz boas-novas. Se você chegou aos 50 anos com uma rotina pouco saudável, mas livre de doenças mais graves, saiba que tem 80% de chance de chegar à velhice, e em boa forma (os outros 20% continuam a caber à genética). Ou seja, quanto e como viver daqui para a frente está em suas mãos. Basta não achar que é tarde demais para mudar. "Modificar os maus hábitos aos 50 é quase tão bom quanto nunca tê-los tido", diz o médico Wilson Jacob Filho, diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. E a chave para o envelhecimento proveitoso e feliz é não fumar, praticar exercícios físicos, dormir bem, alimentar-se de forma adequada, evitar o stress e blá-blá-blá... A ladainha dos hábitos saudáveis sempre foi muito maçante, convenhamos. Mas um livro lançado nos Estados Unidos pode tornar a coisa menos chata e até divertida. Com uma linguagem bastante simples, a versão atualizada e ampliada de Você: Manual do Proprietário, dos médicos americanos Michael Roizen e Mehmet Oz, é um dos mais ricos compêndios sobre o funcionamento do corpo humano, a importância de prevenir os efeitos do envelhecimento e, principalmente, como fazê-lo. Uma das lições do primeiro capítulo: "Conhecer seu corpo lhe dá o poder de mudá-lo, mantê-lo e fortalecê-lo".
O poder de cada um sobre o destino de sua própria saúde, paradoxalmente, aumenta com o passar do tempo. "Quanto mais velho você for, maior será esse controle", disse Roizen em entrevista a VEJA. Médico da Cleveland Clinic, Roizen foi o criador, na década de 90, do conceito da idade real. Ele sustenta que as pessoas não têm necessariamente a idade indicada em seus documentos. Do ponto de vista biológico, podem ser mais jovens ou mais velhas, dependendo do modo como cuidam de si mesmas ao longo da existência. Conforme os anos avançam, enquanto os genes vão perdendo a capacidade de causar maiores danos por si só, o estilo de vida ganha mais relevância. Em geral, as doenças genéticas se manifestam nos primeiros vinte anos de vida. Depois dessa fase, são os hábitos que ativam ou não os genes associados à maioria das doenças crônico-degenerativas. Para se ter uma ideia de tal equação, basta lembrar que a genética controla cerca de 75% do desenvolvimento de um feto. Se o embrião carrega mutações genéticas graves, ainda que a mãe siga todos os preceitos da boa gestante, ele não vinga. É um dos mecanismos biológicos mais importantes para a proteção e a perpetuação da espécie. Se o feto, no entanto, possui uma genética favorável, mesmo que ele seja exposto a comportamentos inadequados da mãe, como fumar ou beber, ainda são boas as chances de ele nascer com saúde.
Na corrida em busca da longevidade feliz, os "saudáveis de última hora" largam em desvantagem em relação aos "sempre saudáveis", mas, na maioria das vezes, conseguem alcançá-los. Para constatar os benefícios de tal reviravolta, tente identificar na academia os alunos recém-matriculados, os que se exercitam há seis meses e os que treinam há seis anos. Os novatos são facilmente reconhecíveis: além da roupa nova e dos tênis branquinhos, sobram gordurinhas e falta tônus muscular. Já quanto aos outros dois tipos, ganha um prato de salada quem conseguir notar a diferença. "Seja qual for a idade, quem pratica atividade física há seis meses se aproxima muito mais de quem se exercita há seis anos do que de quem ainda está abandonando o sedentarismo", diz Jacob Filho. Os benefícios proporcionados pelos hábitos saudáveis não demoram a ser sentidos – e notados. Com a palavra, Roizen: "Em geral, num prazo que não ultrapassa três semanas, você passa a se sentir melhor. E, em três meses, já percebe que tem mais energia". Essa é a sensação que, segundo ele, resulta do controle sobre o destino de nossa saúde.
O grau de domínio que temos sobre nosso organismo está estampado em nossa aparência – e não apenas em nossas células, fibras musculares, neurônios ou hormônios. "A aparência física é o espelho do autocuidado", define o médico Renato Maia Guimarães, presidente da Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria. Obviamente não se trata aqui de uma avaliação de beleza. Devem-se desconsiderar também as intervenções feitas com o intuito de disfarçar a passagem do tempo, como as cirurgias plásticas ou as injeções de Botox. Uma pele sem viço e manchada, por exemplo, pode ser indício de que a pessoa abusa do cigarro, economiza no filtro solar ou não toma água em quantidade suficiente. Mas talvez o maior marcador de saúde, no campo das aparências, sejam os dentes. "Quem não cuida da saúde bucal não cuida de vários outros aspectos", diz Guimarães. Além da higiene inadequada, dentes amarelados e manchados podem significar excesso de nicotina ou de açúcar. Dentes muito pequenos podem ter sido desgastados em crises constantes de ansiedade. Gengivas vermelhas e inchadas podem indicar inflamações decorrentes de um quadro de diabetes malcuidado. Parafraseando o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), só os maus médicos não julgam pela aparência.
Embora os conhecimentos da medicina avancem a passos largos e se disseminem num ritmo ainda mais intenso, por que as pessoas têm tanta dificuldade de mudar seus hábitos de vida? "Um dos maiores obstáculos é o desconhecimento sobre o funcionamento do próprio organismo", diz o geriatra Ângelo Bós, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul. No livro Você: Manual do Proprietário, pelo menos a metade do conteúdo é dedicada a desvendar alguns dos mitos levados pelos pacientes aos consultórios de Roizen e Oz. A seguir, os mais comuns deles:
Você saberá quando o infarto estiver se aproximando
Cerca de 30% dos infartos são assintomáticos. Ou seja, não causam dor no peito, suor excessivo ou falta de fôlego. "A ausência de sintomas é comum entre os pacientes vítimas de um infarto de pequena proporção ou entre os diabéticos", explica o cardiologista Marcus Malachias. Nesse último caso, o excesso de glicose no sangue danifica os nervos, alterando sua capacidade de conduzir o estímulo da dor.
Uma artéria com 90% de obstrução é mais perigosa do que uma artéria com 50% de obstrução
O infarto não ocorre somente pelo entupimento arterial. Ele também pode ser causado pelo rompimento das placas de gordura. As placas menores têm consistência mais gelatinosa e, por isso, são mais propensas a se romper. Como são mais enrijecidas, as placas maiores oferecem menos perigo. A obstrução provocada pelo rompimento de uma placa pode acontecer a qualquer momento. A obstrução desencadeada pelo crescimento de placa, por sua vez, é gradual.
Quanto mais caros são os tratamentos dermatológicos, maior é o benefício para a pele do rosto
"Com 70 reais por mês, é possível manter a pele do rosto dez anos mais jovem", diz o dermatologista Adilson Costa, da PUC de Campinas. É o suficiente para comprar um produto composto de três ingredientes antienvelhecimento básicos: ácido retinoico, fator de proteção solar e substâncias hidratantes.
A desinformação sobre o funcionamento do próprio corpo, por mais estranho que pareça, começa na escola. O corpo humano é apresentado aos alunos por meio de explicações excessivamente teóricas e, não raro, superficiais. Tome-se como exemplo o que um estudante de 10 anos aprende nos livros didáticos sobre o coração: "O coração é um órgão oco. Dentro dele existem quatro cavidades, duas em cima e duas embaixo. É nessas cavidades que o sangue entra e sai quando é bombeado. As cavidades superiores são chamadas de átrios e as inferiores, de ventrículos...". Está correto, mas também é... desprovido de coração, por assim dizer. "A informação se torna interessante sobretudo se for relacionada a um contexto", afirma a bióloga Regina Pekelmann Markus, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. No caso do ensino do corpo humano, isso significa associar seus mecanismos à saúde, às doenças, a hábitos de vida. É de criança que se aprende a ficar velho.
sábado, 14 de novembro de 2009
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