quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Pro meu mundo ficar Odara...
As últimas de Caetano
do Estado de São Paulo
O cantor e compositor baiano traz de volta a São Paulo o show Zii e Zie a partir de amanhã e fala sobre Brasil, violência do Rio, eleições presidenciais, tecnologia...
Sonia Racy
À exceção de alguns momentos mais incisivos, Caetano Veloso deixou claro, na entrevista ao Estado, segunda-feira - antes portanto da morte de um de seus mestres Claude Lévi-Strauss -, no Rio, que a maturidade lhe subiu à cabeça. Uma boa sabedoria emerge, fácil, da sua tranquilidade interior. O posicionamento rebelde do início da carreira, que às vezes assumia as cores da esquerda, deu lugar, hoje, a um discurso racional, realista. Que nada tem, no entanto, das desilusões de quem perdeu a esperança - e isso transparece, com força, quando anuncia sua opção pela candidatura de Marina Silva. "Não posso deixar de votar nela. É por demais forte, simbolicamente, para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala bem."
Sobre as mudanças propostas na Lei Rouanet, Caetano se esquiva: " Eu sou daquelas moças... não estudei direito", diz o artista que, na era da tecnologia, não usa sequer o celular, não gosta do Twitter, mas se comunica sempre por e-mail.
E cadê as novas pessoas com a força do talento de um Caetano, um Gil ou Chico? O mundo hoje é de gente pré-fabricada pelo marketing e meios de comunicação? Nada disso. Para Caetano, houve uma mudança tecnológica imensa e também desdobramentos históricos. "Fico me perguntando: aqueles pintores que ficaram famosos, foram mais sagazes em seduzir príncipes ou reis, ou eram mesmo os mais talentosos? Ou foram os que combinaram melhor as duas coisas? Ou os que tiveram a sorte de encontrar um príncipe que gostou deles? A diferença hoje passa por outros canais." E isso é bom ou é ruim? "Nem bom nem ruim, é o que é."
Caetano volta a São Paulo amanhã para seu show Zii e Zie, no Citibank Hall. Que depois, em 2010, transformará em turnê internacional pela América Latina, EUA, Europa e talvez Austrália e Ásia. Só ao final dele é que pensará no futuro de seu futuro. Aqui, trechos da conversa.
Como você vê o Brasil?
Acabei de ler no New York Times que, possivelmente, o Brasil é o país mais importante do mundo para o qual estão voltados todos os olhos do mundo. Não que o artigo todo seja a favor, é até crítico e contra. Mas parte do pressuposto de que o Brasil é um êxito histórico aos olhos deles, estrangeiros, muito maior do que a gente imagina. Partem do pressuposto de que o Brasil é algo grandioso e falam justamente sobre as provas de que o País não superou o que há de horrendo nele. Se referindo à derrubada daquele helicóptero por traficantes no Rio, à violência, e a uma passividade do Brasil em relação às finanças internacionais, como que dizendo que o País deveria liderar uma virada nessa questão.
E você, o que acha?
Sempre achei que o Brasil é um país com destino de grandeza e uma originalidade fatal.
O que é uma "originalidade fatal"?
Somos um país de dimensões continentais, cujo povo fala português nas Américas, com uma população altamente miscigenada... São muitos fatores estranhos... O português é considerado assim o "túmulo de espírito". O próprio padre Antonio Vieira disse isso da língua. No entanto, essas desvantagens apontam para uma originalidade enorme, que a gente pode ou não aproveitar. Então eu gosto, por exemplo, de uma entrevista do (ex-ministro) Mangabeira (Unger) no Estadão sobre a Amazônia, em que ele diz que o Brasil devia fazer dela uma experiência de vanguarda tecnológica e de desbravamento de atitudes com relação ao desenvolvimento sustentável. Uma coisa de grande ambição, experimental. Acho que essas visões é que apontam para a verdadeira vocação do Brasil. É assim que eu penso. E olhe que minha candidata à Presidência é Marina Silva.
Você já escolheu?
Pode botar aí. Não posso deixar de votar nela. É por demais forte, simbolicamente para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é uma cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala bem. Mas olha, eu concordo com o Mangabeira sobre a vanguarda tecnológica e o desbravamento. Parece uma contradição? Mas é assim.
Talvez não seja. Em nenhum momento o Mangabeira fala em destruição, em uso não sustentável...
Não sei se a Marina diria dessa forma. E acho que há, sim, uma tensão da posição dela em relação à de Mangabeira, embora ela seja a minha candidata. Se ela for, voto nela, com a esperança de que ela, com sensatez que sempre demonstra, acolha a complexidade da realidade. E, no poder, seja mais pragmática que Lula. E mais elegante, o que já é.
A Marina teria condições de gerir um país deste tamanho?
Acho que ela é muito responsável e muito sensata. Se empenhar as energias para ganhar e se tornar capaz disso, ela levará a sensatez ao ponto de poder gerir. Suponho que agora ela não parece ter essa capacidade, com as coisas como estão.
Serra faria um bom governo?
Pode fazer. O Serra foi um excelente ministro da Saúde. Agora, ele é o tipo do cara que, se tivesse ganho no lugar de Lula, em 2002, teria trazido mais problemas à economia brasileira. Ele teria feito um governo mais à esquerda e a economia talvez tivesse problemas que não está tendo porque o Lula fez a economia de direita. E ouve os conselhos de Delfim Neto, que o Serra não ouviria. O Lula foi mais realista que o rei. Foi bom, a economia deslanchou.
E Dilma?
Não tenho ideia. Ela tem um trabalho de pura gestão, mas sem experiência de poder político direto. Ela nunca foi eleita a coisa nenhuma.
A Marina tem?
Ela tem. Os candidatos são todos de nível bom. Vou falar em Aécio, de quem eu gosto muito. Talvez seja meu favorito entre os gestores. Porque acho que o Serra talvez ficasse mais isolado que o Aécio. E a Dilma talvez ficasse muito presa ao esquema estabelecido de ocupação dos espaços estatais pelo governo do PT.
Qual a função do Estado no processo de desenvolvimento?
Não tenho uma ideia precisa. Simpatizo muito com a tradição liberal inglesa e anglófona. Mas não me identifico plenamente com a ideia de Estado mínimo, de liberdade para as transações.
Antes da crise econômica, você era a favor do Estado mínimo?
Não. Eu tinha uma certa raiva daquela onda de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, embora simpatize com o liberalismo de língua inglesa. Sempre me vem à cabeça a ideia de que a Margaret Thatcher estaria dizendo algo do tipo "eu privatizaria o ar, se pudesse..." Acho que ela chegou mesmo a dizer isso, pelo menos corre a lenda a respeito. E quando eu vejo essa gente dizer que a única coisa que deve mover as pessoas é o desejo de lucro tenho vontade de me agarrar em São Francisco de Assis, entendeu?
O Estado tem que mexer na Lei Rouanet?
Não sou muito bom nesse negócio. Sou como umas moças que eram bonitas e apareciam nuas nos filmes, e tinham de ter uma opinião política. Eu sou assim. Não sei se tem que mudar. Fico com pena do leitor de jornal, quando sai assim "a excursão de tal cantora foi recusada", ou "foi aprovada", ou ainda "pode captar". Para música popular, o máximo da captação é 30%. Mas 30 % de quê? O público lá sabe o que é isso? Para música clássica, pode chegar a 100%... Mas repito: eu sou daquelas moças... não estudei direito.
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